No contexto das discussões mantidas entre Receita Federal e OCDE relacionadas ao eventual ingresso do Brasil nos quadros da Organização (o Brasil formalizou o pleito em 2017), um ponto central, que tem gerado uma série de controvérsias, é a harmonização das regras brasileiras de preços de transferência (previstas na Lei nº 9.430/96) ao padrão OCDE.
As regras de preços de transferência, em linhas gerais, visam coibir a transferência indevida de lucros tributáveis em importações internacionais (importações, exportações e operações de crédito), praticadas entre partes vinculadas (integrantes de um mesmo grupo econômico, ou com partes localizadas em paraísos fiscais), para jurisdições com tratamento fiscal mais benéfico.
Embora a OCDE disponha de todo um arcabouço normativo pautado no chamado padrão arm's length (que busca, a partir de uma série de testes com comparáveis, aproximar os preços de operações praticadas entre partes vinculadas aos que seriam praticados entre partes independentes em condições normais de mercado), o modelo brasileiro não segue essas diretrizes, pautando o controle de preços de transferência nos chamados métodos de margens fixas.
Embora a metodologia brasileira tenha como pontos positivos a praticabilidade, a economicidade e a segurança jurídica (em especial após a edição da Lei nº 12.715/12, que praticamente estancou o contencioso em matéria de preços de transferência), em estudo conjunto, concluído por Receita Federal e OCDE em dezembro/2019, foram apontadas uma série de distorções e ineficiências decorrentes da aplicação da legislação brasileira, por ocasionar situações de dupla tributação e dupla não tributação (resultado da manutenção de uma margem de lucro mínima tributável no Brasil, que não necessariamente reflete a margem de lucro que seria praticada em condições normais de mercado).
Como resultado desse estudo conjunto, definiu-se que, para adesão do Brasil aos quadros da OCDE, um ponto fundamental seria a adequação do modelo brasileiro de controle de preços de transferência ao modelo OCDE, conforme as Guidelines que norteiam as práticas internacionais (e também servem de base para a redação dos Tratados Internacionais para evitar a Dupla Tributação). Isso implicaria uma reforma completa do modelo brasileiro, que abandonaria a sistemática de margens fixas e passaria a adotar a metodologia de busca do melhor método (best method approach) preconizada pelos Guidelines da OCDE.
Considerando os radicais impactos que haveria com essa alteração para os contribuintes brasileiros (que se veriam obrigados a reestruturar todas as suas políticas internas de controle de preços de transferência), Receita Federal e OCDE abriram, recentemente, Consulta Pública para que os contribuintes (e também associações, empresas de auditoria, escritórios de advocacia, entre outros potenciais interessados) respondessem a um questionário específico (na forma de Consulta Pública), destinado a regulamentar hipóteses específicas de dispensa ou flexibilização da aplicação das novas regras (os chamados safe harbours e Acordos Antecipados de Preços – APAs).
Inicialmente, Receita Federal e OCDE estabeleceram como prazo inicial para resposta à Consulta Pública o dia 18.9.2020. Contudo, em vista da complexidade e de toda a controvérsia em torno do tema, o prazo foi prorrogado para 30.10.2020. A Consulta Pública deve ser endereçada ao e-mail tp.brazil@oecd.org, com cópia para cotin.df.cosit@rfb.gov.br. Mais informações sobre o projeto podem ser encontradas em http://oe.cd/TPbrazil (Acesse aqui o convite para contribuição em português) (Acesse aqui o convite para contribuição na versão em inglês).
O tema merece atenção especial de todos os contribuintes (e demais interessados), sendo uma oportunidade única de diálogo com Receita Federal e OCDE para a criação dos mecanismos de safe harbour e APAs que tendem a ser destinados a setores e contribuintes de forma específica, considerando as peculiaridades de cada segmento e comparáveis externos (não sendo um mecanismo genérico de dispensa como são os safe harbours da legislação brasileira de preços de transferência, que tendem a ser extintos quando da migração do modelo brasileiro para o padrão OCDE).