Foi publicada, em 12.6.2020, a Lei nº 14.010, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia de COVID-19.
A Lei nº 14.010, que se originou do Projeto de Lei 1.179/20 e teve seu processo legislativo concluído em pouco mais de dois meses, buscou regular de forma emergencial matérias preponderantemente privadas, de modo a preservar as relações jurídicas e proteger os vulneráveis.[1] Nesse contexto, a lei aborda questões de prescrição e decadência, assembleias gerais eletrônicas, relações de consumo, usucapião, questões condominiais, concorrenciais e de direito de família.
Neste artigo abordaremos brevemente os dois temas do RJET de maior impacto para o direito societário: (i) a suspensão de prazos prescricionais e decadenciais até 30.10.2020; e (ii) a autorização para a realização de assembleias gerais por meios eletrônicos.
Suspensão de prazos prescricionais e decadenciais
De acordo com o art. 3º da Lei nº 14.010, ficam suspensos os prazos prescricionais e decadenciais até 30.10.2020. Para fins do direito societário, a maioria dos prazos prescricionais ou decadenciais tipicamente aplicáveis encontram-se previstos na Lei 10.406/02 (Código Civil) e na Lei 6.404/76 (Lei das S.A.).
A suspensão desses prazos, determinada pela Lei nº 14.010, essencialmente significaria que esses prazos deixarão de correr (i.e., ficarão suspensos) até 30.10.2020, quando voltarão a correr do ponto em que pararam.
A finalidade essencial dessa norma é evitar que as pessoas (especialmente as mais vulneráveis) percam os prazos para exercerem seus direitos ou suas pretensões de reparação em decorrência da situação emergencial causada pela pandemia, em que há escassez de recursos e um direcionamento desses recursos escassos no combate aos seus efeitos.
Não obstante, diante da multiplicidade de situações sujeitas a prazos prescricionais ou decadenciais no direito societário, torna-se a nosso ver fundamental avaliar cuidadosamente os impactos que tal suspensão poderá ter em cada caso concreto, tendo em consideração a finalidade da norma, editada no contexto da COVID-19, e os princípios gerais de direito.
Assembleias gerais por meios eletrônicos
De acordo com o art. 5º da Lei nº 14.010 e seu parágrafo único, até 30.10.2020, as pessoas jurídicas de direito privado, conceito que inclui as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada, poderão realizar assembleias gerais por meios eletrônicos, independentemente de previsão estatutária.
Nesse sentido, as manifestações de voto poderão ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, desde que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, produzindo os mesmos efeitos legais de uma assinatura presencial.
A Medida Provisória 931, de 30 de março de 2020 (MP 931), que se encontra atualmente em análise pelo Congresso Nacional e teve recentemente sua vigência prorrogada por 60 dias adicionais, já havia autorizado expressamente a participação e o voto a distância em assembleias gerais de sócios e/ou associados de sociedades limitadas, sociedades anônimas e cooperativas.
Nesse sentido, o referido art. 5º vem beneficiar especialmente as associações e outras pessoas jurídicas de direito privado, que não entraram no escopo da MP 931, mas que agora possuem a base legal necessária para realizar suas assembleias gerais a distância, independentemente de previsão estatutária.
Assim como nas sociedades e cooperativas, espera-se que a pandemia incentive também associações e outras pessoas jurídicas de direito privado a adotarem de forma permanente, não só durante a pandemia, a realização de assembleias por meios eletrônicos, adaptando seus estatutos para tal fim.
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Conforme indicado na Justificativa original do PL 1.179.